O apito dos boches

Nas trincheiras portuguesas o silêncio tinha-se tornado pesado. O cheiro a pólvora continuava impregnado na roupa dos soldados. O barulho ensurdecedor das últimas horas tinha-se calado e o pó denso das explosões começava a baixar. O dia começava a amanhecer e o nevoeiro a levantar, mas o silêncio oprimia de tal forma que podiam jurar que a noite nunca tinha chegado a clarear. 

Os soldados portugueses esperavam o que lhes estava reservado. Muitos aproveitavam aquele silêncio para rezar a Deus e pedir que olhasse por eles. Precisavam dessa última benção para conseguir sair daquelas covas com vida. 

Vindo do outro lado da terra de ninguém, o apito ouviu-se claramente. Um som fino e discreto que cortou o silêncio. Os soldados ficaram com os pêlos dos braços eriçados e um arrepio percorreu-lhes a espinha. Agarraram nas espingardas e abrigaram-se onde achavam que conseguiam ter alguma vantagem. Esperaram sem saber o que estava para vir, mas tinham certeza que não era nada de bom. 

Os músculos estavam tensos e os homens mantinham o ar preso nos pulmões o máximo de tempo que conseguiam. Não queriam que nada perturbasse os seus sentidos, precisavam de estar alerta. Os apitos voltaram a ouvir-se. As mãos aconchegaram as espingardas e com a língua lamberam as gotas de suor que se formavam nos lábios. 

Quando os alemães avançaram, os soldados portugueses juravam que ouviam os passos do inimigo a subir as trincheiras e a caminhar pela terra de ninguém. As botas pesadas na lama e nas poças de água, os passos apressados a avançar em grupo e de armas prontas. 

- Eles vêm aí - sussurrou alguém. 

Não se ouviu resposta.

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A 9 de Abril de 1918, na Batalha de La Lys, morreram 400 portugueses e quase 7000 foram feitos prisioneiros dos alemães. O meu bisavô foi um dos prisioneiros.

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